Ana Santos e o seu piano |
Ana Isabel da Siva Santos tem 23 anos. Realizou a sua licenciatura em música, variante performance no ramo de piano na ESMAE, onde, atualmente, está a fazer o mestrado. Começou a dar aulas em escolas oficiais em 2015, nomeadamente, na Escola de Música de Perosinho. A atividade profissional de Ana divide-se entre professora de piano, pianista acompanhadora e concertista. Neste momento, encontra-se também a dar aulas na Escola Global, através da Academia de Música de Paços de Brandão e é pianista acompanhadora na ARTÂMEGA e na Escola de Música de Perosinho. Além disso, faz parte da companhia Teatro Em Caixa, como músico (piano e voz), atriz e bailarina, no grupo Scalarium.
Sofia
Coelho: O que significa para si a palavra música?
Ana
Santos: A palavra música significa para já uma forma de
estar, aquilo que eu faço uma arte e acho que se resume muito bem a estas três
coisas.
O
que a fez apaixonar pela música, deixando esta de ser apenas um passatempo,
como funciona para muitos indivíduos e se tornar o seu trabalho?
AS:
É uma história engraçada, porque quando manifestei o meu interesse em estudar
música, antes de tudo isto, estudar piano eu era muito pequenina tinha 4 anos e
foi porque vi na televisão uma pessoa a tocar piano e pronto. Foi a partir daí
que os meus pais colocaram-me a estudar piano e acho que uma coisa levou a
outra. O facto de eu também ter uma natureza muito curiosa e o facto de nunca
saber tudo nesta área fez me querer aprofundar o meu estudo.
Quem
foi a sua maior influência para que se dedica-se a este ramo?
AS:
Em termos pianísticos, acho que em primeiro os meus professores. Tenho tido
muitos bons professores, a primeira professora com quem eu comecei a Marlene
Gonçalves, depois a professora Marina Pereira já na academia de Paços de
Brandão e o meu professor atual que é o Miguel Borges Coelho são três das
grandes influências que eu tenho em termos assim pianistas mais conhecidos
temos uma referência portuguesa por excelência. E em termos mundiais que é
Maria João Pires que é uma pessoa, que não só por músico também como pessoa e a
visão dela acerca da música em todo este meio que envolve um certo negócio, é
uma referência muito grande!
Porquê
piano e não outro instrumento?
AS:
Lá está! Foi a referência da televisão, aquilo que eu vi na televisão que me
fez querer estudar o instrumento. Mais tarde no secundário fiz dois instrumento
piano e canto, também é um instrumento que eu gosto muito e que me fez ficar
ali na dúvida se realmente seguia piano ou investia no canto, mas é mais por aí,
claro que agora, neste momento com o conhecimento que eu já tenho dos outros
instrumentos há uma série de instrumentos que eu gostaria de aprender e de
experimentar, por exemplo o violoncelo é um instrumento que eu adoro, mas sim
foi por causa disso! Vi na televisão e pronto!
Como
carateriza o seu trabalho como professora de música?
AS:
O meu trabalho como professora, eu tenho pouca experiência este é segundo ano
que eu dou aulas não seguido, ou seja, eu dei aulas em 2015, durante um ano, e
gostei muito, ao contrário daquilo que estaria à espera gostei bastante, porque
a minha natureza comigo própria, é de ser muito exigente.
Nunca
estou satisfeita e tinha medo de que alguma forma isso passa-se as crianças de
uma forma negativa, mas descobri que não e o trabalho com crianças, porque é o
trabalho que eu desenvolvo com crianças ali entre os 5 e 10 anos, neste momento,
é bastante enriquecedor porque nós começamos a perceber a dimensão humana de
cada aluno e depois o facto de cada um deles ser tão diferente faz-nos desenvolver
uma panóplia enorme de mecanismos de trabalho.
Nós
não podemos trabalhar um determinado aspeto uma criança que tenho uma
dificuldade técnica nós temos de trabalhar, mas a criança que vem a seguir se calhar
já não tem essa dificuldade e nós temos de adaptar todo o nosso trabalho de
forma diferente, ou seja, é um trabalho que nunca é igual nunca é em linha reta,
nós estamos sempre a deparar com situações diferentes.
E
depois ao mesmo tempo ao ensinar pessoas a tocar piano no deparamos com coisa
simples no início, que são o que nós está a falhar já num estado mais avançado.
Quando
certa passagem musical que não conseguimos executar por alguma razão que as vezes
até pensamos que é falha técnica, mas não é, ou então um pulso que não está no
sítio certo que são coisas que nós já aprendemos muito cedo e que damos como
garantidas e que isso de certa forma depois ajuda no nosso estudo individual.
Uma
vez que é mãe em primeira viagem e há pouco tempo. Como é voltar ao trabalho
depois de ter uma criança?
AS:
É complicado no sentido que de repente há uma rotina diferente. Para além de
estudar e trabalhar de fazer toda a planificação das aulas e todo nosso trabalho
individual temos de encaixar um bebé aí no meio, numa rotina familiar diferente,
mas eu tenho tido um apoio espetacular, incrível tanto dos meu pais, como dos
meus irmãos, do próprio pai do meu bebé e nesse sentido tem sido mais fácil, mas volta e meia custa, porque nós queremos estar
a cem porcento para nosso bebé, mas também queremos estar a cem porcento
enquanto pessoas que tem uma vida profissional e que tem objetivo a alcançar.
Acha
que ter um filho é um obstáculo para atingir os seus sonhos?
AS:
Não, já achei isso antes de ser mãe, mas agora acho que é uma questão de
organização e de estabelecer prioridades, saber que temos uma criança ao nosso
encargo, isto claro que depende dos pais, há pais e pais, mas eu que quero
estar presente, muito presente, na vida dele sei que não vou poder embarcar em
tantos projetos ao mesmo tempo, como faria até aqui, mas não acho que seja um
impedimento de tudo.
Para
além do trabalho como professora de piano, também faz trabalhos como pianista
acompanhadora na ARTÂMEGA e na Escolha de Música de Perosinho. Sendo que,
também faz parte da companhia Teatro Em Caixa, como músico (piano e voz) e
atriz, e bailarina no grupo Scalarium. Com todos estes projetos, como é
conciliar o tempo entre o trabalho, a família e os amigos?
AS:
Lá está, passa muito por organização, por estabelecer uma ordem de trabalhos,
por saber que está semana tenho “x” ensaios para um projeto e depois tenho “x”
aulas para dar mais a rotina diária normal e tenho de estudar claro, porque eu
não posso chegar a um ensaio sem saber aquilo que vou fazer.
Então
é estabelecer essa ordem de trabalhos e saber o que é neste momento prioritário
que eu ainda não trabalhei, o que bem primeiro na minha semana e nessa medida
tentar encontrar o equilíbrio para conseguir conjugar as coisas todas.
Nem
sempre é fácil, volta e meia a gente vem de uma escola a correr e tem 10
minutos para chegar a um ensaio e depois do ensaio nós já estamos a contar as
horas, que já é muito tarde, porque também queremos estar com a nossa família.
No entanto, coordenar-se não é fácil, mas se houver uma boa organização e uma ótima
estrutura familiar, que é importante, consegue-se fazer tudo, sim!
Uma
vez que se encontra no mundo da música, qual foi o episódio mais marcante que lhe
aconteceu?
AS:
Eu acho que não há assim um episódio específico, mas claro o meu recital final
de licenciatura foi marcam-te, porque é o fim de um ciclo. Mas todos os
concertos que tenho dado, todos os projetos são muito marcantes, porque todos
trabalhos são sempre diferentes. As maneiras de abordar uma partitura de chegar
a um ensaio preparados são muito semelhantes, mas cada partitura é uma
partitura, cada projeto é em projeto, cada pessoa que nós nos cruzamos é
diferente e a abordagem são sempre diferentes, mas eu acho que sim.
No
recital final de licenciatura foi assim um episódio bastante marcam-te para já
porque, é o fim de um ciclo e já desde aí tem algum peso, depois nas circunstâncias
em que nós nos encontramos e um concerto, para todos os efeitos, temos um
painel de jurados, mas naquele momento já não estão ali só para avaliar mas
estão já como se fossem público. E depois é o recordar de 4 anos de trabalho
que tu desenvolves-te com um professor, porque no mundo da música na faculdade
de música, porque ainda há gente que acha que um músico não precisa de fazer
faculdade, nós temos uma relação muito estreita com o nosso professor não é
como por exemplo, sei lá, uma matemática, quando se estuda matemática numa
faculdade que o professor tem uma turma à frente.
Ali
não, o trabalho é muito individual e é natural que a relação com o professor se
torne mais estreita, mais íntima e há uma série de coisas que são partilhadas.
Como casos mais pessoais momento mais frágeis que estamos a passar como o
próprio percurso académico, ali a uma junção volta e meia ali não se distingue
as duas coisas e eu chegar ao fim dum percurso e saber que todas essas
pequenas coisas que influenciaram desde
o primeiro dia em que pisas a universidade, cada coisinha influenciou aquela
performances, aquela uma hora e meia foi mais ou menos o tempo do recital aquela
hora e meia foi mais ou menos influenciada por 4 anos ou 5 anos de trabalho.
O
que lhe dá mais ânimo em trabalhar no ramo da música?
AS:
Eu acho que é a descoberta, nem sempre é fácil, porque é normal que nós
entramos na rotina e ok, agora vou estudar uma partitura, agora vou
entrar num projeto novo, já sei o que tenho de fazer, mas se for analisar com
atenção não é sempre igual e há sempre coisas a descobrir, o facto de eu ter
sempre coisas a descobrir e para aprender, porque eu acho que se de repente eu
soubesse tudo à minha existência deixaria de fazer sentido. porque eu gosto
sempre de aprender! O facto de eu puder aprender sempre mais é umas das coisas
mais é uma das coisas mais fantástica que há, depois o cruzar com pessoas tão
diferentes com blackronds tão diferentes, mas que confluem todas no
mesmo espaço é interessante. Lá está, a troca de experiências é muito
importante.
O
que menos dá gosto fazer?
AS:
Eu acho que algumas coisas, como acontece em qualquer lado, há muito negócio à
mistura e se formos a ver as novas discográficas, começam a apostar um
bocadinho mais na imagem do interprete em si e não é que eu ache mal, porque
nós estamos numa altura que devemos dar azos a essas diversidades de expressão,
porque se eu quero ir tocar de calça de ganga preta e camisa branca, em vez de
ir de um tradicional vestido preto ou se quero ir tocar com a partitura em vez
tocar de memória como nós costumamos fazer, acho que devemos ter esse espaço. Mas
a parte visual, a parte do show off físico e mesmo virtuosístico da
parte técnica do músico começa a influenciar um bocadinho e deixa de lado se
calhar aqueles que gostariam de ver uma música como ela é!
A
música é forma de expressão de arte que tem muito além do som de tocar muitas
notas por segundo, os vestidos espampanantes é comunicação é de certa forma uma
cura porque se nós conseguimos reunir que seja dez pessoas ao fim do dia para
ouvir um concerto, aquelas pessoas de certeza que tiveram um dia atarefado
puderem chegar a um concerto e relaxarem se eles tiverem dez minutos que nunca
são 10 minutos, mas se tiverem esse momento de relaxe, de relaxamento,
de pausa, isso também é uma terapia para eles para nós é muito recompensador
porque quer dizer que nós realmente estamos a chegar algum lado com o nosso
trabalho e acho que, atualmente, há uma tendência muito grande de deixar de
parte esse tipo de trabalho.
Quais
foram as melhores palavras que já lhe disseram acerca do seu trabalho?
AS:
É
curioso! Já me disseram que podia chegar onde eu quisesse, por um lado, e por
outro, essas palavras são me ditas muitas vezes pelo meu professor e a primeira
vez que eu ouvi não gostei muito, que é “A Ana só não faz e só não vai porque
não quer”. E ao início eu ficava assim muito incomodada porque eu não percebi o
porquê que ele dizia aquilo. Eu sentia que estava a dar o melhor de mim e ao
mesmo tempo parecia que ele não entendia que aquilo era o meu máximo.
E
por isso, no início eu ficava mesmo frustrada porque pensava “já estou a dar o
melhor de mim, eu quero isto e não consigo lá chegar, porque que ele continua a
dizer isto, porque que isto me afeta de forma tão negativa”. Até que percebi,
quando um professor quando nos diz estas palavras, normalmente, é porque confia
no nosso trabalho e é porque vê que nós podemos ir muito mais além daquilo que
estamos no momento.
E
não é do trabalho em si, não é especifico de um concerto em si, no geral do meu
trabalho alguém dizer que eu posso ir mais além ou que eu só não estou noutro
patamar ainda porque não quero de certa forma é recompensador tanto por aquilo
que eu faço, pela maneira como eu toco, pela maneira como eu abordo a música
mas também é um voto de confiança muito grande.
Qual
é o seu maior objetivo profissional a atingir?
AS:
Eu
neste momento não sei bem, porque eu estou numa altura de deixar as
coisas acontecerem. Quando eu era mais nova, para aí com 7 anos, eu tinha muito
aquela ideia de que ia entrar na ESMAE, depois fazer o mestrado fora e depois
os grandes palcos desse tempo que me aguardassem!
No
entanto, no ano passado, antes de eu descobrir que estava grávida, ainda cheguei
a fazer aulas na Alemanha e conheci alguns professores e a fazer provas, no
entanto, depois isso não se concretizou. Mas neste momento, não me arrependo,
eu acho que estou exatamente no lugar que devia estar, na altura de devia estar
e o que surgir daqui para a frente é bem-vindo!
Faz
parte dos seus sonhos criar uma escola de formação musical, ou até mesmo de se
tornar numa referência da música, enquanto cantora e músico?
AS:
É
interessante, porque eu há pouco tempo pensei nisso, se calhar uma escola não
tanto, mas um projeto que eu pudesse não seguir o método de ensino convencional,
e que eu pudesse trabalhar com crianças desfavorecidas e órfãs. E isso é uma
coisa que eu sempre gostei, trabalho de voluntariado por assim dizer, não só
com a música, com todas as áreas, e há pouco tempo pensei nisso. E seria muito
interessante desenvolver e dar oportunidade a essas pessoas de aprenderem um
instrumento, de terem um momento em que tivessem uma aula teórica, prática de música
que seria bastante interessante.
Gostava muito, mas todo esse processo
burocrático que envolve é que eu não sei se estou à altura do semelhante. E
claro que como em tudo é necessária uma equipa de profissionais que envolve as
várias áreas, é preciso de gente que trate a parte burocrática, a parte técnica
e é preciso a parte artística, portanto sozinha nunca conseguiria lá chegar,
mas sim gostava.
Imaginava-se
a trabalhar em alguma outra coisa sem ser no ramo da música?
AS:
Sim,
mais ou menos. Eu não consigo dissociar-me da música, mas eu exploro várias
áreas, eu tenho oportunidade de trabalhar com dança e com teatro também. E para
além disso, fora das artes, é curioso, porque eu gostava muito de escrever e
gosto muito de jornalismo, mas dissociar-me completamente daquilo que eu faço é
completamente impossível, porque é intrínseco, um gosto tão grande, faz parte
da personalidade da pessoa em si.
Como
se imagina daqui a 10 anos, no que diz respeito, à sua carreira profissional?
AS:
Daqui
a 10 anos, eu espero ainda dançar muito, a fazer teatro, a ter este gosto tão
grande pela música, pelas artes no geral, a continuar a desenvolver um trabalho
multidisciplinar e a desenvolver o trabalho que gostava com pessoas que não têm
tantas oportunidades, porque a verdade é que para nós conseguirmos estudar
música ou qualquer arte, por exemplo o ballet, é uma área da dança bastante
cara, são áreas muito caras e que não estão ao alcance de qualquer pessoa.
Então se eu conseguisse estar daqui a 10 anos a desenvolver um trabalho desses
era incrível! E depois com uma família muito linda e feliz, que me apoie nos
momentos essenciais e que também me dê na cabeça e que também me dê na cabeça
quando achar que eu não estou a ir pelo caminho certo.
Que
conselho oferece aquelas pessoas que querem ter como carreira profissional como
a sua?
AS:
Eu acho que acima de tudo devem ser muito persistentes e que trabalhem muito,
porque em nenhuma área nada se consegue sem trabalho mas aqui especialmente nos
precisamos de trabalhar imenso, não nos focarmos num só caminho, não pensarmos
que só vamos fazer só carreira de concerto. Há quem consiga, mas é mesmo muito
difícil nesta altura.
Também
terem sempre várias “portas” e várias opções dentro de da área das artes. Eu
achava que ia sempre fazer concerto e neste momento, ainda bem que não estou
porque eu gosto muito de trabalhar com teatro e tive oportunidade de no ano
passado começar a fazer teatro e é muito bom de repente conseguires fugir um
bocadinho da área em que estas inserido, para já porque conheces pessoas
diferentes e depois porque aquilo que aprendes naquela área em especifico que
não é a tua podes transportar para a música, para a área em que trabalhas, por
isso não descartarem hipóteses.
No
caso dos pianistas, os acompanhamentos, o dar aulas que é comum a toda a gente,
não desistir do objetivo inicial, mas não descartarem hipóteses. E depois
estarem sempre a trabalhar para além, do estudo individual, muitas aulas com
professores diferentes, muitas masterclasses, ouvir muitos concertos, porque
ouvir o ver nos ajuda muito, investir!
Ana num concerto do Teatro em caixa |
Ana a tocar piano |
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Sofia e Ana depois da entrevista |
Fonte das fotografias: Ana Santos
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